29 julho 2005

Ode ao Cristo das Janelas Verdes

A poesia é uma das minhas paixões. Hoje li uma que gostei particularmente e que a seguir transcrevo:
Ode ao Cristo
das Janelas Verdes

(Antonio Quadros)




Quem te pintou triste e secreto,

Ó Cristo de olhar vendado,

Ó Cristo misterioso,

Abandonado

No Museu das Janelas Verdes,

Quem te pintou saudoso,

Talvez do Céu, talvez do Homem,

Talvez da criação antes da prova,

Quem te pintou assim, sereno e encoberto,

Imagem nova

Que um povo a ti votado

Um dia descobriu?

Ninguém conhece o mestre que te viu

Enigmático, silencioso,

Um Deus, dir-se-ia, envergonhado,

Mais que humilhado,

Vexado

Porque a palavra se cumpriu,

Porque na hora precisa

Os seus irmãos eleitos

O julgaram,

O feriram,

O mataram

E porque ao longo deste tempo interminável,

Após a crucifixão,

Após a ressurreição

O julgamento prossegue,

A tortura, o crime,

A traição,

O deicídio constantemente perpetrado

Ao sabor da existência quotidiana.

Ninguém conhece o pintor, o iniciado,

O sabedor do mistério

Que é o longo movimento necessário

Do nosso universo imaginário,

Onde tudo é signo e símbolo,

Onde o olhar de Jesus, encoberto,

Ensina a suprema perfeição

De um Deus capaz de amar

E de chorar,

De um Deus assassinado capaz de ressurgir

E de voltar

Sem parábolas, sem cifras, sem véus

Na plenitude da final revelação.





Ah, não, bizantinos sonhadores,

Não estetas da Itália,

Da França,

Mestres da Flandria,

Da fria Inglaterra,

Da férrea Germânia,

Não pintores da Espanha,

Vossa não podia ser a exata imagem

Que um português criou e jaz sepulta

No Museu das janelas Verdes, em Lisboa!

De Ti, sábio Jesus,

Promotor do movimento necessário,

Homem secreto do futuro cumprido,

De Ti fizeram um diáfano celeste

De ouro ornado e neste mundo perdido,

Um reflexo do maravilhoso céu sonhado,

Entre nós caído

Para que místicamente o contemplássemos...

De Ti fizeram um Orfeu ou um Apolo,

Querendo idealizar-te à helênica medida,

A finita estrutura

Do sedutor, estético humanismo...

De Ti fizeram um racional justiceiro,

Um implacável profeta, um missionário

Da Lei divina,

Um Rei,

Um General,

Um Papa,

De Ti fizeram ainda um comerciante de almas

Demasiado carnal,

Demasiado terreno em cenas burguesas,

Em habituais paisagens holandesas,

De Ti fizeram um transcendente imperador

Que pela vontade e nela inteligência

Os homens foi capaz, de dominar...

De Ti fizeram um humano angustiado,

Primeiro Ator do teatro do mundo,

Aflito protagonisa de tragédia...

Mas Tu não choras, ó Cristo,

Pelo Teu padecimento,

Não sais fora de Ti em esgares de sofrimento,

Não és o magro asceta castelhano,

O torturado místico envolto em sombras,

O cadaveroso deformado!





Sofres, sereno,

Sofres, saudoso,

Sofres, sábio e santo

Mas não por Ti,

Se sofres é por nós, sempre e hoje,

Nos no longo, interminável tempo,

Nós em guerras, em doenças, em horrores,

Nós, infiéis de geração em geração,

Nós perdidos,

Nós esquecidos,

Nós, livres, libertos, todavia,

Senhores da invocação, da decisão,

Senhores da graça luminosa

Ou do erro gasto e repetido.

Sofres secreto

E o teu olhar de fogo ficará oculto

Até que à pureza humana o possas desvelar.

Este é o povo das grandes, longas quedas

E também das grandes, fundas intuições,

Este é o povo que em Cristo vê o Messias revelado

E também o Messias encoberto de porvir,

Este é o povo que ama o Deus menino

Porque até na maturidade do Cristo renascido

Descobre a virtualidade infinita, irrevelada,

O imenso Ser, para lá de toda a imagem,

O Espírito sem limites que a infância anuncia

E que jamais, num conceito, num olhar,

Jamais numa verdade humana se detém.

Ó Cristo de olhar vendado,

Ó Cristo misterioso,

Abandonado

No Museu das Janelas Verdes,

Ó Cristo encoberto e final,

Vem,

Traz até nós o que ainda não somos,

Ensina-nos a sermos o para que nos criastes,

Em nome do nosso apelo,

Em nome do nosso sonho,

Em nome do nosso almejar-te e conceber-te

Tu e Outro,

Patente e todavia encoberto

Como no Ecce Homo das Janelas Verdes,

Em nome do desejo de total superação

Que subsiste no coração de todos os humanos,

De todos sem exceção,

Vem

E consagra a matéria deste mundo,

O que em nós pesa e obsta

A luz imensa do Teu Espírito,

Que todos pressentimos,

Todos sem exceção,

Ainda quando três vezes Te negamos.





Ó Cristo próximo e distante,

Ó Cristo saudoso,

Misterioso,

Vem...

Conhecemos a dor,

Tarda-nos o amor,

Vem conosco no termos merecido

O império de paz que no mundo cindido

Entre gente próxima edificamos,

Vem conosco no olharmos ao espelho dos teus olhos desvelados.

A nossa clara imagem descoberta,

Vem conosco, Irmão,

Na alegria de cantar aos quatro ventos,

Nos cinco continentes, nas terras e nos céus,

Ecce Homo! Enfim, enfim, o Homem!

5 comentários:

Nuno Barreto disse...

muito interessante

Nuno Barreto disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Vilma disse...

Muito bonito1 Faz-me lembrar de um poeta brasileiro que gosto muito, Gióia Junior! Linkei-te no meu blogue! ;))

Hupernikon disse...

ok. Se não te importares linko-te no meu...

Anónimo disse...

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